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30/12/2016

O que o esporte diria sobre 2016

Ah 2016! Uma avalanche de emoções, sentimentos e casos que farão nos lembrar desse ano, assim como, nós lembramos de anos tão fatídicos e importantes para a história – não se referindo apenas à história brasileira mas também à história mundial ou por assim dizer, a global. E é claro que esses eventos foram refletidos no ambiente esportivo, já que o esporte se revela como um campo de manifestação cultural no contexto histórico no qual se insere.

E se o esporte fosse um ser racional, detentor de sua autonomia individual e de sua autonomia de vontade tão invocado por Kant e não sendo apenas uma instrumentalização e uma mercadoria da espetacularização da sociedade contemporânea e globalizada, o que lhe caberia dizer sobre o ano de 2016? Quais seriam as suas angariações para os próximos anos depois de tantos abalos?

De forma a dar início aos argumentos, parto do pressuposto de que o esporte possui uma neutralidade interna referente às suas posições ideológicas e políticas. Leia-se: O esporte possui essa neutralidade e é nessa característica peculiar que o torna suscetível às manifestações de diversas orientações ideológicas e políticas existentes em grupos sociais, sociedades e nações. Além do mais, considerado um campo para essas manifestações, de fato o esporte evidenciará preponderantemente, bem como evidenciou ao longo de sua história desde a sua concepção no século XIX, as vertentes econômicas-políticas e sociais dominantes em cada região inserido. Ou seja, mesmo aberto à uma democracia de manifestos e bandeiras de movimentos sociais, preferencialmente o que será mais refletido no esporte é a conjuntura econômica e política atual.


É exatamente sobre isso que o esporte diria sobre 2016. O advento talvez de uma antiga e nova ordem de governo: o populismo de direita/extrema direita e ultra nacionalista em detrimento de agendas neoliberais e globalizantes. Isto é, com as eleições de Trump, o Brexit, a renúncia do Premiê da Itália, o possível e inevitável desmantelamento da União Europeia e a volta de antigos poderes oligarcos e monopolizantes na América Latina, o esporte deixou e deixará de ser, a partir desse ano apenas um campo de refúgio para os sentimentos e valores nacionais como fora nos últimos 30 anos de globalização e passará a insuflar o nacionalismo como insuflou em períodos pré-guerras e em guerras.

O esporte também pode dizer que haverá sim resistências das forças de oposições, movimentos sociais e organizações que aproveitarão a sua proeminência na mobilização de grandes massas para frear ou amenizar tais políticas para aqueles que as sofrem. Por exemplo, em tepos de “terrorismos” e com intervenções militares de juntas internacionais em locais onde criam tais ondas, o esporte pode ser sim um palco para demonstrações de terror, xenofobismo e etc. Entretanto, pode representar uma atitude simbólica com grandes benesses sociais como o Time de Refugiados Olímpicos na Rio-2016, incluindo-os no maior evento sociocultural do mundo, os Jogos Olímpicos.

Ah Jogos Olímpicos no Brasil! Num ano tão conturbado economicamente e politicamente para nós, o esporte diria que ele se ofereceu para ser um alento, uma destreza, uma beleza que beirou a divindade para aqueles que sofrem assaltos e conluios de governantes de má índole e que governam para uma parcela mínima da sociedade brasileira, mesmo o evento no Rio ter sofrido excessos de preconceitos e leviandades da mídia nacional e internacional. Um belo exemplo é a crítica ao nosso modo de torcer e ao movimento de não vinda para o Brasil pelo surto de Zika. O esporte pode considerar também como um alento, o bom futebol retomado pela seleção brasileira nas mãos de Tite, contratado por aqueles membros da CBF tão corruptos quanto os de paletó. Aliás, a importância da seleção em nos fornecer alegrias em períodos conturbados é sempre de bom grado.

O esporte pôde nos dizer que é simples reunir um conglomerado de pessoas e nações em torno de uma causa ou solenidade como a tragédia da Chapecoense e também abalar e exilar, por motivos políticos, movimentos libertários revolucionários como o Bom Senso Futebol Clube.

Portanto, o danado do esporte serviu em 2016 tanto para fortalecer poderes e governos já estabelecidos quanto dar suporte para novas ordens de governanças. Serviu tanto para sublimar nossos sentimentos ruins e nos fornecer alegrias como também nos fez perceber o nível de ódio impregnado nas sociedades. Ele é democrático por natureza e quem escolhe qual caminho ele trilhará são quem o pratica, o negocia e o utiliza como ferramenta de intervenção, seja para o bem seja para o mal. E para os próximos anos, evidenciará, dentro de campos esportivos, ações conservadoras e ações liberais da mesma forma como a terceira Lei de Newton.  

22/12/2016

O sentimento é verde

É notória a proeminência do esporte em nos fornecer heróis e heroínas, ídolos e inevitavelmente mitos (entendidos aqui como aquilo que opõe-se à tudo o que é verdadeiro, no sentido de ficção ou ilusão). Essa tamanha produção de pessoas consideradas exemplares se deve ao fato das exaltações de identidades coletivas, sobretudo as nacionais, que o esporte promove, assim como, pelo fato de nos sentirmos representados pelos atletas, pelos times, pelas nações que disputam as competições esportivas. Além disso, o fato da espetacularização e do aporte dos meios de comunicação também deve ser inserido nesse bojo de razões. 

Produções de heróis e ídolos nos foram evidenciadas no final deste novembro tão contraditório em suas emoções. A primeira delas e particularmente proporcionada para uma torcida e um time que há muito tempo emanava sofrimentos: o nono título nacional do Palmeiras; e a segunda delas e terrivelmente triste no âmbito nacional e também no âmbito global: a tragédia da Chapecoense.

Quis a misticidade do futebol que essas duas equipes jogassem uma com a outra antes destes momentos. Um domingo felicíssimo, de alívio, de esperança e de alento ao ver, depois de vinte dois anos, o Palmeiras conquistar o título brasileiro. Quis a misticidade do futebol que a produção desses heróis palmeirenses fosse legitimada e que a produção dos heróis da Chapecoense fosse engatilhada.

Uma segunda de ressaca, uma segunda diferente. Sentimento de êxtase e glorificação e antes de desligar a TV e ir dormir, após assistir tantos programas esportivos, pensei no que poderia estar por vir aquela semana e aumentar minha felicidade. Me veio à mente a final da Sul-americana e a vontade de torcer pra Chape “verdificando” mais ainda aquela semana.

    

É difícil mensurar ou acreditar em medidas de segurança quando estamos em uma grande altitude e numa altíssima velocidade. Quando tal tragédia acontece, a primeira coisa a se pensar é se houve sobreviventes, porém logo se dá conta do famoso dito popular onde os dispositivos mais seguros feitos pela humanidade ao falharem a chance de sobrevivência é quase zero. Quase eu digo porque teve sobreviventes e o nome disso é, indubitavelmente e sem credo algum, Milagre.

Me remete também a pergunta feita para nós de Palahniuk no livro “Clube da Luta” na qual fiquei me fazendo todo o dia naquela terça feira: se Deus nos odeia? Se ele nos tirou tantas vidas de maneira repentina e nos amassou na tristeza milhares de pessoas porque ele nos odeia? Talvez não. Talvez sim. Quem sabe? Talvez tenha sido o espírito do índio de Conda, tão lembrado por Deva Pascovicci no último jogo da Chapecoense na Sul-americana após a defesa do Danilo (https://www.youtube.com/watch?v=3jhrBFuj-vg). Talvez tenha sido sei lá quem, só sei que foi injusto.

E o que fiz para me confortar naquele dia tão tenebroso foi jogar o esporte que aqueles heróis (inclui-se os jornalistas) amavam e tinham como sustento. Na terça joguei como jogador de linha, bem ruim por sinal, porém com uma vontade jamais vista. Na quarta, um dia depois, foi a vez de eu vestir luvas e jogar como goleiro. Antes do jogo, uma reza, sem ninguém ver e uma homenagem para os heróis de Conda. De fato, amamos aquilo que nos mata e matamos aquilo que nós amamos.   

Novembro terminou verde. Verde de alegria, de tristeza e acima de tudo, de esperança. Infelizmente, foi a primeira vez que eu vi a cor verde substituir o preto do luto. E não havia razão de ser diferente pelo fato de se ver tantas pessoas nos meios de comunicação, que antes possuíam caras fechadas, opiniões fortes e cheios de “virilidades”, se transformarem em meros mortais portadores de sentimentos.

A diferença desse acidente aéreo para os outros, não desprezando qualquer tipo de vida, era que o avião carregava uma cidade, um Estado regional e talvez uma nação inteira. Ah os heróis. Seria muito fácil se eles fossem como os heróis nos quadrinhos.  

Chorei a semana toda e que nos escutam e digam para todo o continente, que sempre recordaremos da campeã Chapecoense. 

02/08/2016

O eterno complexo de vira-latas

Caro Nelson Rodriguez,

Nasci um tempo depois de seu falecimento e muito tempo depois da derrota de 1950 que fez o senhor criar o termo complexo de vira-latas. Fazendo uma releitura dessa sua crônica e segundo suas palavras, o complexo de vira-latas significa “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”.

Pois bem, quase sessenta anos depois dessa afirmação, posso lhe dizer que concordo contigo mas gostaria de acrescentar algo. Hoje, o “voluntariamente” que está na sua afirmação virou sociocultural, ou seja, esse sentimento não surge apenas de nós mesmos, ele nos é ensinado durante todas as esferas de nossas vidas. Inclusive, esse complexo de vira-latas é sempre reforçado e levantado pelos maiores meios de comunicação em massa de nosso país e por aqueles que detém certo poder político-econômico.

Esse termo que se referia a um desastre no futebol extrapolou as fronteiras esportivas e hoje se refere-se a qualquer coisa que nós brasileiros fazemos ou pensamos em fazer. E isso vai desde os assuntos mais pessoais até os mais profissionais, desde a nossa ideia e concepção de nação até mesmo a forma de como atravessamos a rua.

De tão grande que se tornou o seu tão renomado termo, ele virou substantivo: o “viralatismo” que exemplifica, de forma bem simples, o quanto nós mesmos nos colocamos e somos forçados por vários discursos midiáticos e institucionais a sermos considerados inferiores. De tão institucionalizado o “viralatismo”, a variável do tempo realmente passa em vão e longe sobre a derrota, pois todas as vezes que ligamos a televisão, lemos jornais ou acessamos algo na internet (artifício que o senhor não pôde conhecer) ela está lá, nos perseguindo como se fosse um pesadelo, como se tivéssemos algo necessário para que o cotidiano brasileiro possa viver: a inferioridade.

Porém, algo também foi acrescentado ao seu complexo hoje. Não é somente a vergonha, o desprezo e a inferioridade que o complexo advém. Nos dias atuais, o deboche, a piada e na minha opinião a pior de todas, a veneração da derrota também faz parte do “viralatismo”. Não sei muito bem explicar esses novos sentimentos dentro do complexo, pois você teria que ter vivido a nossa outra derrota que nos arrancou o título, da mesma forma como Obdulio Varela nos extraiu em 1950: o 7x1 em 2014. Ainda considero 1950 como a nossa pior derrota, pois naquele dia não só o título mundial nos foi tirado, como também a promessa e a ideia de projeto de nação bem sucedida também nos foi arrancado.

O “viralatismo”, Nelson Rodriguez, também se refere ao controle da euforia e da esperança brasileira em que algo possa dar certo. Estamos sitiados pelo complexo e quem ousa deixa-lo de lado e proferir palavras de otimismo, que nesse caso seriam palavras e sentimentos patriotas, é totalmente pré-julgado e chamado de imbecil.

Essa semana, Seu Nelson, começarão os Jogos Olímpicos na cidade onde você cresceu profissionalmente. Sim, algo tão impensável para sua época vai acontecer finalmente. Brasil, Rio de Janeiro e Jogos Olímpicos. E advinha quem está junto? Ele mesmo, o tal do complexo. Por que é tão difícil de aceitar que possamos sim fazer algo digno? Nas Copas de 1950 e 2014 já ficaram para história das Copas mesmo nós saindo derrotados em ambas. E essa edição dos Jogos Olímpicos tem tudo para ser uma das maiores que a era contemporânea vai poder acompanhar.

Infelizmente, discursos preconceituosos, regionalistas e xenófobos estão acompanhando a organização desses Jogos com o intuito de reforçar o nosso complexo de vira-latas. O ruim disso é ver que parte desses discursos saem principalmente daqui, de brasileiros e outros vêm de regiões que somos forçados a ter como exemplo de civismo e de moralidade como a Europa, Ásia e a América do Norte.  

Senhor Nelson, assim como temos exemplos de obras que são atemporais, sua crônica deve ser considerada como uma delas. Talvez não pensando somente no âmbito esportivo mas sim em todos os outros domínios individuais e coletivos.  

Se tiver respostas para todas as minhas indagações, não sei como obtê-las de você. 

Muito grato e descanse em paz. 

Releitura: http://www.releituras.com/nelsonr_viralatas.asp

19/07/2016

A diferença entre os Atletas Refugiados Olímpicos (ROA) e os Atletas Independentes Olímpicos (IOA)

Desde sua criação, em 1894, o Comitê Olímpico Internacional tenta ser maior que os acontecimentos políticos que envolvem os seus membros nacionais com apenas um artefato: a promoção da paz entre as nações utilizando da razão e não das armas para a resolução de conflitos. E não necessita dizer que esse princípio da pacificidade, por meio do esporte, fora deixado de lado ao longo das edições olímpicas do século XX. A título de conhecimento: as duas Grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria, o Apartheid na África do Sul e tantos outros casos totalitários.

Mesmo assim, os Jogos continuaram sendo realizados, criando heróis, fracassos, histórias horríveis de serem lembradas e histórias totalmente passíveis de serem veneradas. E foi no momento que o contexto histórico, final da década de 80 e começo de 90, exigia mais profissionalismo e acima de tudo, posicionamentos políticos do COI em relação aos acontecimentos e processos políticos externos, que as atitudes pacíficas do COI e seu poder hegemônico global foram reconhecidos e obtidos pela comunidade internacional.

Uma dessas atitudes foi a criação de inéditas delegações olímpicas, como foi o caso dos Atletas Refugiados Olímpicos (ROA) e dos Atletas Independentes Olímpicos (IOA). Ambas são definidas como uma delegação olímpica de caráter raro e uma exceção por justamente não representar símbolos nacionais de uma específica nacionalidade num evento que chega a reunir 206 nações. Ou seja, são delegações não nacionais que competem sob a bandeira e o hino olímpico criadas a partir de conflitos e processos políticos que proíbem e dificultam a participação de atletas nos Jogos.

Tais criações evidenciam novos padrões, comportamentos e criação de grupos globais nos dias atuais, além de mostrar o poder que o COI possui para propagar seus princípios pacíficos.



As aparições dessas delegações com a denominação de Atletas Independentes Olímpicos foram nos Jogos Olímpicos de verão em Barcelona, 1992 (Guerra civil na ex-Iugoslávia), Sidney, 2000 (Independência do Timor Leste), Londres, 2012 (Independência do Sudão do Sul e o não reconhecimento das Antilhas Holandesas como um país) e nos Jogos Olímpicos de inverno em Sochi, 2014 (Punição a Índia pela corrupção no seu Comitê Olímpico). Já a única delegação com a denominação de Atletas Refugiados Olímpicos, até o momento, será no Rio-2016. Então, se possuem a mesma definição, os mesmos propósitos e representam os mesmos símbolos, como elas podem ser diferentes? A resposta refere-se a questão de possuir ou não nacionalidades válidas.

Por mais que o COI permite atletas de participarem dos Jogos sem uma nacionalidade, o que ele mais privilegia e possui como um dos seus sólidos pilares são as representações nacionais. Isso porque refere-se a uma competição entre nações. Assim, quem compete como Independente Olímpico, é detentor de sua nacionalidade, porém não podendo representá-la nos Jogos. Isto é, o atleta não abre mão de sua cidadania/de sua nacionalidade para competir nos Jogos, mas sim, há a omissão de seus símbolos nacionais substituídos pelos símbolos do COI.

Entretanto, quem compete como Refugiado Olímpico, não é detentor de sua nacionalidade de origem, quanto menos de sua nacionalidade onde o mesmo está instalado. Isto é, eles são apátridas como nos afirma Hannah Arendt em “Origem do Totalitarismo”, ao passo que esse atleta fugiu e abdicou de sua nacionalidade natal e não tem uma nacionalidade válida (cidadania/naturalização) no país que o acolheu. Isso era muito comum com judeus na Segunda Guerra Mundial e está sendo escancarado nos dias atuais com a Síria, países do Oriente Médio e do continente africano. Desta forma, será a primeira vez que atletas sem uma nacionalidade válida participarão dos Jogos.

E como forma de se ater aos processos e conflitos políticos e ter sua hegemonia global adquiria, o COI institucionaliza essas duas delegações.

Por fim, para usar uma metáfora pessoal, os Atletas Refugiados Olímpicos e os Atletas Independentes Olímpicos são equiparados a irmãos gêmeos. Possuem a mesma criação, os mesmos precedentes, as mesmas finalidades, representam os mesmos símbolos, porém evidenciam cada particularidade e individualidade de quem participa. Além do mais, vale pensar sobre o conceito de Anomia de Emile Durkheim como outro meio de diferenciação. Anomia significa, em modo simples de pensar, a negação de uma identidade, nesses casos seriam as identidades nacionais. Assim, podemos caracterizar como não anômicos os Atletas Independentes Olímpicos e anômicos os Atletas Refugiados Olímpicos.

Caso ganhem uma medalha, em ambas delegações, a bandeira a ser hasteada é a Olímpica (cinco anéis) e o hino a ser tocado é o hino olímpico.

Será no Rio-2016, a primeira vez que duas delegações olímpicas não nacionais participarão dos Jogos. Os ROA é composto por 10 atletas refugiados e os IOA até então com 9 atletas do Kuwait, pela suspensão do seu Comitê Olímpico Nacional por causa da interferência do governo nas diretrizes do mesmo. Aliás, sobre esse caso, umas das soluções oferecidas aos russos foi a participação como Atletas Independentes Olímpicos. Solução essa que foi prontamente recusada pelos próprios russos e de certa forma pelo COI por não permitir o banimento de toda a delegação. Esse não banimento foi sim uma decisão política do COI e justa, pois banir a Rússia dos Jogos, sem uma análise mais complexa e a longo prazo, seria abrir a caixa de pandora da Guerra Fria. 

PS: Os Atletas Independentes Olímpicos foram meu principal tema na graduação e no Mestrado. E mais informação sobre os Refugiados Olímpicos encontra-se aqui: https://www.olympic.org/news/refugee-olympic-team-to-shine-spotlight-on-worldwide-refugee-crisis.   

05/07/2016

As formas de cantar os hinos nacionais no âmbito esportivo

Possuo uma monografia e uma dissertação de mestrado que dentre outros temas, abordam a construção e o estabelecimento das ideologias e sentimentos nacionais, assim como, o abalo nas estruturas de sentir e viver essas nacionalidades em tempos globais. Venho repetindo costumeiramente essas afirmações/teses aqui no blog pois há inúmeros acontecimentos atuais que evidenciam isso ou necessitam de melhor debruçamento histórico e teórico.

Da mesma forma que alavanco a decadência dos valores e sentimentos nacionais em detrimento das novas formas de comportamentos globais, é notório que no ambiente esportivo e tão somente nele, por meio das competições internacionais, se revela como um campo de refúgio para que os sentimentos nacionais possam ser exaltados. Muito porque ainda se tratam de embates esportivos entre nações, bem como, há a exaltação de seus símbolos.

E uma das exaltações tão vivas, presentes e institucionalizadas nas competições esportivas é a execução de hinos nacionais. E quero discorrer hoje sobre como as formas de cantar os hinos nacionais nos esportes, nos mostram como foram construídos os respectivos Estados nacionais (por mais que isso possa ser redundante).



A construção dos Estados nacionais na Europa foram, acima de tudo, consequências de algumas revoluções, conflitos e principalmente guerras. Alguns acontecimentos podem ser citados, como a Revolução Francesa, as Revoluções Democráticas de 1848, as duas Grandes Guerras Mundiais, a eclosão da Iugoslávia e da União Soviética e por final e talvez a mais preponderante no que se trata de sistema político e econômico e a legitimação do poder nacional, a Revolução Industrial. E é claro que por intermédio de tudo isso, os sentimentos nacionais europeus são mais acalorados, fortes e temerários do que outros continentes por envolver mortes, ódio ao que é estrangeiro, ideologias de superioridades raciais e etc.

É por isso que em competições europeias, na execução dos hinos nacionais, a cantoria da torcida, dos atletas, das comissões e dos chefes de Estados, é feita a plenos pulmões. Não só para demonstrar a força de sua nacionalidade ou empurrar a seleção para uma possível vitória, mas sim, o ódio histórico que envolve o continente assolado por guerras e conflitos de ordem nacional e racial. É bonito de ser ver sim, concordo. Mas repito e com a colaboração de Hannah Arendt, nem só de Nacionalismo cívico (aquele nacionalismo criador de costumes, tradições e cidadania) vive o mundo. Há entretanto, o Nacionalismo tribal ou chauvinista (aquele que ocasiona conflitos e xenofobismo).    

Em contrapartida, não é surpresa para ninguém que os Estados nacionais, no continente americano, tenham obtido sua soberania e autonomia nacional por meio de processos de independências dos próprios Estados europeus. É evidente que algumas dessas independências foram por meio de conflitos armados e outras por acordos entre colonizadores e colonizados, mas o fato é que não houve tanto ódio ao que é estrangeiro como na Europa. E a soberania conseguida é totalmente contextualizada nos hinos nacionais, predominantemente na América do Sul, onde todos os hinos contém a palavra “liberdade”. É com essa finalidade que são cantados os hinos nacionais em competições no continente, um grito de liberdade, um grito de soberania, diferentemente da tentativa de intimidação e supremacia da Europa.


Portanto, o ato de cantar o hino nacional é um ato de cidadania mesmo que pareça o mínimo de civismo praticado por nós. Entretanto, como uma tradição inventada e construída historicamente, é impossível não lembrar e sentir a forma como nosso respectivo Estado nacional foi construído, trazendo à tona os feitos, as bondades e até mesmo os mais capciosos sentimentos no momento da cantoria.  

09/06/2016

Maquiavel e a manutenção de uma hegemonia esportiva

Quanto mais espetacularizados, massificados, mobilizadores de grandes grupos sociais e angariadores de grandes investimentos os esportes são, há a necessidade de se obter uma hegemonia esportiva. Isso vale para os atletas, equipes, comissões técnicas, dirigentes e inclusive para os meios de comunicação. Entretanto, mais difícil do que alcançar a hegemonia esportiva é mantê-la e por isso, me pauto em Maquiavel e seus fundamentos sobre Virtú e Fortuna para discorrer desse processo dentro do âmbito esportivo.

Maquiavel disserta sobre Virtú e Fortuna na sua obra “O Príncipe” no qual é considerada uma manual de manutenção do poder para monarcas do século XVI. Porém, assim como “O capital” de Marx, essa obra pode ser considera muito contemporânea pois houve e há muitas similaridades entre os governantes atuais e os príncipes antigos na forma de governar seus reinos, sociedades e Estados-nação.

Desta forma, para se manter no poder, os governantes necessitam de um conjunto de qualidades e possibilidades, seja elas quais forem (boas ou más ações), cuja a aquisição o governante passa achar necessária, a fim de manter seu Estado e realizar grandes feitos. Ou seja, a pessoa que governa necessita de Virtú para vencer as incertezas e imprevisibilidades que cercam e ameaçam o seu governo, no qual essa força incerta, que pode ser natural ou humana, é caracterizada como Fortuna (destino). Assim, o dualismo entre Virtú e Fortuna é tido como uma questão de legitimidade e manutenção do poder, ao passo que quanto maior a Virtú (qualidade em manter o poder) menor ou maior controle sobre a Fortuna (imprevisibilidades que ameaçam essa manutenção).  

Levando essa ideia de manutenção do poder por Maquiavel ao esporte, vemos que a busca do poder, que neste caso é a conquista de títulos, campeonatos e etc. se revela muito mais frequente do que a manutenção do mesmo, pelo fato de tanto que o esporte é cercado por imprevisibilidades (Fortuna) e por ser, às vezes, uma roda da sorte. E é menos frequente a manutenção de uma hegemonia esportiva, que neste caso é a conquista de uma série de títulos em um determinado período, dado a dificuldade que se é de controlar os aspectos imprevisíveis do jogo (condições climáticas, local, torcida, fatores psicológicos e sociais, influência da arbitragem, adversidades inesperadas como falhas momentâneas e tantas outras) mesmo para aqueles que possuem qualidades técnicas, táticas, físicas e psicossociais (Virtú) para controlar o destino.



Temos como exemplo de manutenção de hegemonia: o Santos de Pelé; a Itália da década de 1930; o Brasil no final da década de 50 à década de 70; o Barcelona de Messi; o Palmeiras da década de 90; Boca Juniors no começo dos anos 2000; Lakers e Celtics na NBA; Chicago Bulls de Jordan; o Flamengo na NBB; Tiger Woods no golf; Federer no tênis; Schumacher na F1; Boston Red Sox no beisebol; Nova Zelândia no rugby; Brasil no vôlei de quadra e areia; Michael Phelps na natação; Usain Bolt no atletismo; Cuba no boxe; Índia no críquete; Alguns países africanos em provas de longas distância no atletismo; China no badminton.


Assim, fica claro que alguns atletas, times e nações se utilizam de suas Virtús para tentar controlar a Fortuna promovida pelo esporte a fim de manter uma hegemonia esportiva da mesma forma como é evidenciado em relação aos monarcas do século XVI, governantes e ditadores do século XX e líderes mundiais no século XXI de acordo com Maquiavel. 

19/05/2016

Os árbitros esportivos e as suas ações paternalistas

Na conjuntura esportiva, sempre teve a figura do dono ou dona da lei, do poder absoluto, da pessoa que tem a última palavra dentro dos campos, quadras, tatames, ringues e tablados. Faz parte do jogo. Necessitamos deles para que essa prática institucionalizada e regulamentada, que é o Esporte, seja legitimada, iniciada e encerrada.

Entretanto, seu papel nesse âmbito vai além de controlar e reger o jogo. Atenta-se também para a sua intervenção nos resultados esportivos e como tema desse texto, ressaltarei a atuação dos árbitros/árbitras esportivos como agentes do paternalismo, segundo a vertente filosófica do Utilitarismo (mais especificamente John Stuart Mill).

Simplifico o pensamento de Mill sobre o paternalismo. Para o mesmo, o ser racional é um indivíduo livre, detentor de sua própria autonomia individual para pensar e realizar ações que esteja no âmbito de sua competência. É nesse pensamento (o liberalismo) que Mill discorre que o indivíduo adquiri seu progresso social, assim como, adquiri sua liberdade, sua felicidade. Contudo, tais ações e comportamentos individuais não devem causar danos à terceiros ou possuir finalidades para seu próprio benefício. Para isso e apenas para isso (causar danos), John Stuart Mill argumenta que as instituições/Estados/legislações/Constituições nacionais ou no sentido atual, os tribunais internacionais, devem intervir nos comportamentos dos indivíduos afim de impedi-los de causarem danos. É essa específica intervenção nos comportamentos individuais que Mill define, caracteriza e legitima como Paternalismo ou a ação paternalista.

Agora, adentrando ao âmbito esportivo - e deixo claro que pode ser qualquer esporte - esse pensamento de Mill se faz muito presente e ás vezes necessário. Temos os atletas como indivíduos e os mesmos possuem autonomia individual para realizar qualquer ação ou comportamento dentro dos jogos para alcançarem seus objetivos, seus progressos, sua liberdade e principalmente sua felicidade. Até porque eles são livres e possuem uma racionalidade para isso. Só que quando essas ações causam danos à terceiros (as faltas/as violações) ou são utilizadas para o próprio benefício (contrariando o princípio do Fair Play esportivo) entra em ação a figura do árbitro/árbitra esportivo e sua intervenção em tais comportamentos, da mesma forma com que Mill pensa e legitima as intervenções das instituições, Estados e tantos outros órgãos coercitivos e interventores, ou seja, a ideia de Paternalismo.

Portanto, declaro que segundo os pensamentos Utilitaristas de John Stuart Mill, os árbitros (a) esportivos, ao interferirem nos comportamentos específicos dos atletas (faltas/violações e etc.) dentro do campo de jogo, são sim agentes do paternalismo. 

09/05/2016

Considerações sobre a dispensa da seleção brasileira pelos jogadores da NBA

De trinta anos para cá, vários aspectos econômicos-políticos e socioculturais desdobraram-se devido à uma nova ordem econômica dominante em gerir o mercado interno e externo. O nome disso é Globalização e suas consequências, sobretudo sociais, mudaram as formas de pensar, agir e sentir o mundo. Não obstante, os esportes se contextualizam nessa nova onda e passam a representar vivências/experiências obtidas no mundo globalizado.

Como parte desse mundo, um mundo de espetáculos e de entretenimento global, um esporte ou, por assim dizer, uma liga se destaca: a NBA. Abrindo seu portifólio, sua força, seu empoderamento e sua destreza, a NBA possui um alcance global concedendo direitos televisivos a meios de comunicação estrangeiros, patrocínios além da marca das franquias, e principalmente por permitir e contratar atletas de outras nacionalidades.

Assim, abre-se, para os atletas de basquete, o melhor mercado possível para a prática desse esporte em alto rendimento. E com a inserção de alguns atletas brasileiros na NBA (na temporada 2015/16 são dez ao todo) uma questão vem à tona: os constantes pedidos de dispensa dos jogadores brasileiros da NBA em relação a seleção brasileira. É fato que o contexto da globalização favorece/efervesce essa questão pela decadência dos sentimentos nacionais acometidos pela inserção de valores socioculturais globais. Porém é necessário distinguir a esfera privada/individual da esfera pública/coletiva para pensar ou tomar partido desse assunto, bem como, deixar de lado pensamentos, experiências e tradições de um contexto histórico diferente do que se vive atualmente.

Então, sobre a esfera privada/individual, ou seja, de quem pratica, constrói e investe nos atletas, são favoráveis os argumentos da dispensa, pois toda a carreira dos mesmos foram feitas com o mínimo suporte nacional, pensando na fraca política nacional de desenvolvimento esportivo de alto rendimento; a prática da NBA é diferente de todas as outras formas de jogar basquete no mundo, possuindo até mesmo regras distintas da FIBA e um número cavalar de jogos por temporadas, ocasionando um altíssimo esforço técnico e mental para se manter dentro desse ambiente; e porque os atletas respondem a NBA e suas franquias pois são deles que advém suas rendas e seus contratos e no mundo onde o dinheiro é o principal processo civilizador, ou seja, o principal motivo das escolhas individuais, torna-se difícil competir por uma seleção nacional onde o incentivo é a manutenção de um sentimento e de um orgulho e não necessariamente o lucro.

Por outro lado, o lado da esfera pública/coletiva, isto é, das instituições regulamentadoras do basquete, a CBB e o COB, e de nós torcedores, há um sentimento vazio quando deparamos nossa seleção sem os jogadores da NBA, já que lá é considerado o melhor basquete. Sente-se também um ar de desprezo e egoísmo por parte dos atletas em relação aos sentimentos nacionais/coletivos e por “enfraquecer” a seleção, bem como, a não obtenção de resultados expressivos se comparar ao passado do basquete brasileiro.

Portanto, a consequência disso tudo é que há, sem dúvidas, a obsolescência de sentimentos nacionais se basearmos no que estes sentimentos e suas instituições/seleções eram no passado. Contudo há de se considerar os propósitos e interesses, que hoje são muito mais particulares do que coletivos, de ambas as partes em relação a participação ou não na seleção brasileira de basquete.

Quem perde nessa disputa são os torcedores e principalmente o basquete nacional. E a solução para isso seria um maior diálogo entre a CBB e a NBA e/ou os atletas e a comissão técnica brasileira para que se evite julgamentos precipitados sobre as dispensas.


27/04/2016

A diferença entre Nacionalismo e Patriotismo pela ótica do esporte

É inegável que os esportes carregam consigo aspectos e características das sociedades nacionais em que os mesmos se inserem, ainda que vivemos em tempos de globalização. E ao se tratar de competições esportivas internacionais, como os Jogos Olímpicos, eles evidenciam sentimentos nacionais e exaltam símbolos nacionais (bandeira e hino) durante os embates entre dois ou mais países.

Porém, como esses sentimentos podem ser caracterizados ou definidos de acordo com a literatura científica? É comum vermos em meios de comunicação esportivos e até nas expressões faladas em ambientes públicos e particulares que tais sentimentos e comportamentos se tratam de nacionalismo ou patriotismo. E há uma diferença relevante entre os dois termos para designar esse comportamento nacional dentro das arenas, estádios, ginásios e ruas.

Me pautando de uma relação causa e consequência, é preciso dizer que não haveria patriotismo sem nacionalismo, assim como não haveria nação e identidade nacional sem o mesmo. Isso se deve porque o nacionalismo é a causa dessa relação por ter surgido por meio de emancipações territoriais e ideológicas e pelo acontecimento de grandes revoluções como a Revolução Francesa (1785), as Revoluções Democráticas de 1848 e a Revolução Industrial no século XIX. Esse é um dos motivos do nacionalismo ser considerado, por grandes autores, como uma ideologia política moderna, legitimadora de políticas públicas de Estados nacionais e criadoras de sentimentos e representações nacionais. Além do mais, por ser uma ideologia política, o nacionalismo é responsável pelos aspectos mais negativos que uma nacionalidade pode possuir, como a xenofobia, o fascismo, o nazismo e o absurdo do genocídio.

A consequência dessa relação ou o produto do nacionalismo é o patriotismo. E com esse termo há uma união de todos os aspectos positivos de uma nacionalidade que fora deixado pelo nacionalismo, como a tolerância, a hospitalidade e a benevolência. Tudo isso porque patriotismo significa amor à pátria, significa familiaridade com o lugar e as pessoas as quais vivemos. É por essa razão que patriotismo se revela como um sentimento e não como uma ideologia.

Portanto, ao ver, num ambiente esportivo, bandeiras nacionais tremulando, hinos sendo cantados, outros cânticos sendo entoados, camisetas/uniformes vestidos, rostos e cabelos pintados com as cores nacionais e certos comportamentos que levam a crer ser característico de uma sociedade nacional moderna, isso significa ser patriotismo sem deixar de considerar a importância do nacionalismo nessa construção, já que se trata de uma relação de causa e consequência.

Ou seja, ao se deparar com frases como essas: “Há a demonstração de nacionalismo pela torcida brasileira” ou “Ele (a) é um (a) nacionalista”, na verdade deveriam ser “Há a demonstração de patriotismo pela torcida brasileira” e “Ele(a) é um(a) patriota”.

20/04/2016

Jogos Olímpicos ou Olimpíadas: o termo mais adequado é?

Em tempos de ano olímpico, é notória a quantidade de informações, veiculadas pelos meios de comunicação, sobre os aspectos históricos, preparatórios, estruturais, técnicos e políticos desse evento de proporções globais. Contudo, é importante se ater em relação a algumas nomenclaturas utilizadas para denominar o evento. E uma dessas dicotomias refere-se aos termos Jogos Olímpicos e Olimpíadas.

Vale ressaltar que essa informação do termo mais correto é muito mais pertinente para o campo da curiosidade do que, de certa forma, para o campo da etimologia dos termos, exceto para o ambiente acadêmico-científico.

Desta forma, qual o melhor termo a ser utilizado para designar a edição olímpica? Para responder essa questão, me pauto no Boletim oficial do Comitê Olímpico Internacional do ano de 1972 (http://library.la84.org/OlympicInformationCenter/OlympicReview/1972/ore58/ore58j.pdf). Segundo o mesmo boletim, o termo mais correto é Jogos Olímpicos em detrimento de Olimpíadas.


Isso porque Olimpíadas refere-se ao ciclo olímpico, ou seja, ao período de quatro anos que compreende do encerramento da última edição olímpica a abertura da edição olímpica seguinte. Por exemplo, do arreamento da bandeira olímpica na cerimônia de encerramento em Londres, 2012 ao hasteamento da mesma na cerimônia de abertura esse ano, no Rio de Janeiro, é caracterizado como Olimpíadas.

Agora, do dia 5 de agosto a 21 de agosto e por assim dizer, o evento propriamente dito, é caracterizado e denominado como Jogos Olímpicos.

Portanto, mesmo sem qualquer juízo de valores ou condenação para quem confunde os termos, é necessário ponderar que o termo mais correto para designar o que acontecerá na cidade do Rio, a partir de agosto, é Jogos Olímpicos e não Olimpíadas. 

01/04/2016

Os protestos pró impeachment e seu uniforme: a camisa da seleção brasileira

Talvez minha geração (quem nasceu na década de 90) nunca viu um rebosteio político tão grande quanto nos dias atuais e que se perdura desde outubro de 2014. Opiniões a parte, a intolerância e a violência verbal se refere muito mais a busca pelo poder por aqueles que o sempre tiveram na mão contra a manutenção do poder por aqueles que há pouco estão no comando e já mudaram para melhor tantos aspectos que os outros demoraram décadas ou não se importaram em mudar. Ou seja, o conflito político atual se trata de uma velha briga desleal: a Casa Grande x Senzala.

E há vários domingos, nos deparamos com protestos daqueles pertencentes a Casa Grande que querem, por meio de um golpe midiático e do judiciário, extirpar do governos federal os atuais gestores. E por mais que se trate de pessoas que representam grupos sociais de médio e grande aporte financeiro, um fato chama a atenção: o vestuário que é utilizado nestes protestos que são os uniformes da seleção brasileira de futebol.

E a utilização do uniforme da seleção brasileira se deve à dois fatores. Um momentâneo e outro histórico. O momentâneo por causa do propósito destes protestos: a “melhoria do país”. E como se refere ao “âmbito nacional”, que na realidade se alude para a melhoria de uma parcela mínima da sociedade brasileira, eles então se pautam dos símbolos nacionais, a bandeira, o hino e a camisa da seleção. Já o fato histórico revela-se na importância que o futebol, muito por conta dos resultados obtidos pela seleção brasileira, teve na construção da identidade nacional brasileira.

E é na inclusão do futebol na construção da nossa identidade que a fez possuir de um processo de criação diferenciado dos países europeus, de modo que as sociedades modernas europeias tiveram suas identidades pautadas por uma origem étnica comum, homogeneização de sua população e por meio de guerras, revoluções e processos políticos. Em consequência disso, os esportes eram tidos na Europa muito mais para a propagação, fortificação e representação das nacionalidades do que propriamente para a construção das mesmas. Até porque, a institucionalização dos esportes (século XIX) adveio posteriormente à construção dessas identidades.

Já no Brasil, a necessidade de encontrar uma identidade que representasse tantos povos heterogêneos dentro do mesmo território, fez crescer os olhos dos intelectuais e governantes da época (década de 30, 40 e 50), responsáveis pela criação da identidade nacional brasileira, para com o futebol, pois nele reunia-se e reúne as melhores características da sociedade brasileira, bem como, tenha sido essencial para sua prática a miscigenação dos povos brasileiros. Ou seja, aliado as políticas nacionalistas do Estado Novo de Getúlio Vargas, a criação da Petrobras e o lema “O petróleo é nosso” e a industrialização tardia dos modos de produção, o futebol foi e é um pilar imprescindível para dizer quem é a sociedade brasileira.


Por fim, deixando de lado toda a hipocrisia e mediocridade de quem protesta a favor do impeachment, é notório que o futebol se fez e faz presente na vida da sociedade brasileira ao utilizar a camisa da seleção como uniforme nessas reivindicações.

11/03/2016

“Ódio eterno ao futebol moderno”, tem certeza?

Faz tempo que me deparo com esse tipo de movimento/manifesto/saudosismo na mídia esportiva e nas redes sociais sobre o futebol moderno. O futebol, até então proclamado dessa forma por aqueles que detestam os novos desdobramentos esportivos, causa remorso e úlceras para aqueles que viveram duas épocas distintas: A era moderna e a era contemporânea.

E é sobre as duas eras da humanidade que o texto retrata e divaga a respeito da terminologia usada para saudar uma forma de como o futebol foi tratado e relinchar para a forma de como ele é tratado.

Segundos os dicionários, “moderno” significa recente, atual, e tempo presente. Já “contemporâneo” significa o que existiu ou viveu na mesma época. De fato são conceitos, adjetivos semelhantes porém, nada disso se vale quando se pauta da história do esporte, da história do futebol.

A era moderna para o esporte, significa um período de institucionalização dos mesmos, ao passo que foram criadas regras e preceitos universais das mais variadas práticas esportivas para serem praticadas nos mais diversos cantos do mundo. Foi um período de estabelecimento dos esportes, principalmente por conta das competições internacionais como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e mais precisamente, foi uma construção social representando os modos de ser e agir de um mundo industrial e capitalista (século XIX e XX).

E se considerarmos o conceito de esporte como prática social que é contextualizada de acordo com a sociedade a qual se insere (Elias e Dunning, 1992), ele é suscetível as mudanças ocorridas nas dinâmicas econômicas, políticas e socioculturais que governam o mundo.

Deste modo, as implicações e direcionamentos estruturais e sociais, que vieram da Globalização, aumentaram o significado do esporte na era contemporânea (final do século XX e advento do século XXI). É nesta era que o esporte passa a ser visto como apenas mercadoria, denominando-se esporte-espetáculo por alguns sociólogos do esporte. Assim, com o desdobramento em esporte moderno para esporte-espetáculo, temos a mudança de como o mesmo é tratado, pois hoje se mantém seu significado social porém, seus fins são mais privilegiados pela visão monetária, por uma visão neoliberalista de mercado.


Portanto, ao iniciar o debate entre como era bom os costumes dentro e ou fora do campo de futebol em épocas passadas, que hoje não se encaixam nos novos modos de vida estrutural e social, é importante se ater sob o que vivemos é o esporte contemporâneo/esporte-espetáculo/futebol contemporâneo e não o esporte moderno ou o futebol moderno. Ou seja, a reivindicação “ódio eterno ao futebol moderno”, em seu contexto histórico, não faz sentido já que o injustiçado futebol moderno é a mesma prática, a mesma tradição saudada por aqueles doutrinadores da moda antiga.