Caro Nelson Rodriguez,
Nasci um tempo depois de seu
falecimento e muito tempo depois da derrota de 1950 que fez o senhor criar o
termo complexo de vira-latas. Fazendo uma releitura dessa sua crônica e segundo
suas palavras, o complexo de vira-latas significa “a inferioridade em que o
brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”.
Pois bem, quase sessenta anos
depois dessa afirmação, posso lhe dizer que concordo contigo mas gostaria de
acrescentar algo. Hoje, o “voluntariamente” que está na sua afirmação virou
sociocultural, ou seja, esse sentimento não surge apenas de nós mesmos, ele nos
é ensinado durante todas as esferas de nossas vidas. Inclusive, esse complexo
de vira-latas é sempre reforçado e levantado pelos maiores meios de comunicação
em massa de nosso país e por aqueles que detém certo poder político-econômico.
Esse termo que se referia a um
desastre no futebol extrapolou as fronteiras esportivas e hoje se refere-se a
qualquer coisa que nós brasileiros fazemos ou pensamos em fazer. E isso vai
desde os assuntos mais pessoais até os mais profissionais, desde a nossa ideia
e concepção de nação até mesmo a forma de como atravessamos a rua.
De tão grande que se tornou o seu
tão renomado termo, ele virou substantivo: o “viralatismo” que exemplifica, de
forma bem simples, o quanto nós mesmos nos colocamos e somos forçados por
vários discursos midiáticos e institucionais a sermos considerados inferiores. De
tão institucionalizado o “viralatismo”, a variável do tempo realmente passa em
vão e longe sobre a derrota, pois todas as vezes que ligamos a televisão, lemos
jornais ou acessamos algo na internet (artifício que o senhor não pôde
conhecer) ela está lá, nos perseguindo como se fosse um pesadelo, como se tivéssemos
algo necessário para que o cotidiano brasileiro possa viver: a inferioridade.
Porém, algo também foi
acrescentado ao seu complexo hoje. Não é somente a vergonha, o desprezo e a
inferioridade que o complexo advém. Nos dias atuais, o deboche, a piada e na
minha opinião a pior de todas, a veneração da derrota também faz parte do “viralatismo”.
Não sei muito bem explicar esses novos sentimentos dentro do complexo, pois
você teria que ter vivido a nossa outra derrota que nos arrancou o título, da
mesma forma como Obdulio Varela nos extraiu em 1950: o 7x1 em 2014. Ainda
considero 1950 como a nossa pior derrota, pois naquele dia não só o título
mundial nos foi tirado, como também a promessa e a ideia de projeto de nação
bem sucedida também nos foi arrancado.
O “viralatismo”, Nelson
Rodriguez, também se refere ao controle da euforia e da esperança brasileira em
que algo possa dar certo. Estamos sitiados pelo complexo e quem ousa deixa-lo
de lado e proferir palavras de otimismo, que nesse caso seriam palavras e sentimentos
patriotas, é totalmente pré-julgado e chamado de imbecil.
Essa semana, Seu Nelson, começarão os Jogos Olímpicos na cidade onde você cresceu profissionalmente. Sim, algo tão
impensável para sua época vai acontecer finalmente. Brasil, Rio de Janeiro e
Jogos Olímpicos. E advinha quem está junto? Ele mesmo, o tal do complexo. Por
que é tão difícil de aceitar que possamos sim fazer algo digno? Nas Copas de
1950 e 2014 já ficaram para história das Copas mesmo nós saindo derrotados em
ambas. E essa edição dos Jogos Olímpicos tem tudo para ser uma das maiores que
a era contemporânea vai poder acompanhar.
Infelizmente, discursos
preconceituosos, regionalistas e xenófobos estão acompanhando a organização
desses Jogos com o intuito de reforçar o nosso complexo de vira-latas. O ruim disso
é ver que parte desses discursos saem principalmente daqui, de brasileiros e
outros vêm de regiões que somos forçados a ter como exemplo de civismo e de moralidade como a Europa, Ásia e a América do Norte.
Senhor Nelson, assim como temos
exemplos de obras que são atemporais, sua crônica deve ser considerada como uma
delas. Talvez não pensando somente no âmbito esportivo mas sim em todos os
outros domínios individuais e coletivos.
Se tiver respostas para todas as
minhas indagações, não sei como obtê-las de você.