Começo o texto justificando que a
narrativa se descreverá especificamente sobre a paralisação do futebol pela
pandemia da Covid-19 e não esportes em geral por conta de todo o significado e
simbolismo sócio-histórico que esse esporte desfruta do cotidiano brasileiro.
Peço que não constituam essa opinião como uma exclusão da importância de todos
os outros esportes. Muito pelo contrário. Pode ser usada como narrativa para tantos
contextos sociais como por exemplo, o críquete no sul da Ásia, a NBA para norte
americanos e o Hockey para canadenses.
Se o futebol é o ópio do povo
(como ressaltou Millôr Fernandes) o que significa a paralisação desse ópio em
tempos de quarentena, pandemia, risco de contágio e mortes? Se Deus criou o
mundo e as coisas em 6 dias e parou no sétimo dia para descansar e assistir
futebol, o que ele vai fazer em seu tempo livre? Não há nenhuma racionalidade
digna de criticar a paralisação do futebol mundial. Esse esporte tem a
capacidade de levar a mobilização de massas a um nível comparado a forças
religiosas e nesse tempo de combate a Covid-19, o único método eficaz para
mitigar os casos de infectados ainda é o isolamento social e a não aglomeração de
pessoas.
Entretanto, cabe levantar uma
discussão: Sem futebol, o quê e quem preenche o vazio deixado? A pergunta
parece ter uma resposta simples, porém bem rasa. Não faltam sugestões para o
que fazer para quem pode estar em isolamento social (lembrando que essa opção é
um privilégio) como, ler, assistir filmes e séries, meditar, estudar, usar das
redes sociais como interação social e contar as latas da sua coleção (é o meu
caso). Porém, a questão é mais profunda principalmente quando me refiro à um
preenchimento coletivo, um sentimento de pertencimento social, exercício de
cidadania (estou em dúvida se o futebol ainda pode causar isso) e de escapismo
de uma realidade difícil e tensa (claro que aqui me refiro às classes sociais de mais baixas rendas).
Sem ele nos estádios, nas TVs e nos bares
(também fechados) a realidade dura do cotidiano parece pesar mais do que nunca.
Sem ele, não há gritos de gol que por mais que possam parecer comemorações,
revelam gritos de extravasamento e de angústias colocadas para fora da alma (e aqui me recordo de um dos fenômenos que Norbert Elias e Eric Dunning em "A busca da excitação" se referem ao gol no futebol como antecedente ao prazer).
Não há uma alegria proporcionada pela vitória do seu time ou pela derrota do
rival. Não há sequer uma tentativa de felicidade coletiva externada por gestos já
que estão proibidos os abraços e os apertos de mão. Sem futebol, a vida e o
cotidiano parecem ter um valor menor, vazio, sem muitos significados.
Porém, é
necessário ponderar duas narrativas: A primeira é e aqui faço de minhas
palavras a de Jürguen Klopp (técnico do Liverpool) que o futebol é a coisa mais
importante das menos importantes (para a maioria) e que a luta mundial, nesse
momento, requer atenção e cuidados de todos (ou de quem quer ter esses
cuidados).
Os esforços para conter a Covid-19 requer
alguns sacrifícios, mas o que me deixa mais em pânico não é ficar sem futebol,
mas sim, não saber uma data certa para quando ele pode voltar. E isso é
assustador.
Obrigado por ler e é bom voltar
a escrever. ;)
Dica de música para esse tema:
Incubus "Wish you were here": https://www.youtube.com/watch?v=Yg0k8ylbZe0