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30/12/2016

O que o esporte diria sobre 2016

Ah 2016! Uma avalanche de emoções, sentimentos e casos que farão nos lembrar desse ano, assim como, nós lembramos de anos tão fatídicos e importantes para a história – não se referindo apenas à história brasileira mas também à história mundial ou por assim dizer, a global. E é claro que esses eventos foram refletidos no ambiente esportivo, já que o esporte se revela como um campo de manifestação cultural no contexto histórico no qual se insere.

E se o esporte fosse um ser racional, detentor de sua autonomia individual e de sua autonomia de vontade tão invocado por Kant e não sendo apenas uma instrumentalização e uma mercadoria da espetacularização da sociedade contemporânea e globalizada, o que lhe caberia dizer sobre o ano de 2016? Quais seriam as suas angariações para os próximos anos depois de tantos abalos?

De forma a dar início aos argumentos, parto do pressuposto de que o esporte possui uma neutralidade interna referente às suas posições ideológicas e políticas. Leia-se: O esporte possui essa neutralidade e é nessa característica peculiar que o torna suscetível às manifestações de diversas orientações ideológicas e políticas existentes em grupos sociais, sociedades e nações. Além do mais, considerado um campo para essas manifestações, de fato o esporte evidenciará preponderantemente, bem como evidenciou ao longo de sua história desde a sua concepção no século XIX, as vertentes econômicas-políticas e sociais dominantes em cada região inserido. Ou seja, mesmo aberto à uma democracia de manifestos e bandeiras de movimentos sociais, preferencialmente o que será mais refletido no esporte é a conjuntura econômica e política atual.


É exatamente sobre isso que o esporte diria sobre 2016. O advento talvez de uma antiga e nova ordem de governo: o populismo de direita/extrema direita e ultra nacionalista em detrimento de agendas neoliberais e globalizantes. Isto é, com as eleições de Trump, o Brexit, a renúncia do Premiê da Itália, o possível e inevitável desmantelamento da União Europeia e a volta de antigos poderes oligarcos e monopolizantes na América Latina, o esporte deixou e deixará de ser, a partir desse ano apenas um campo de refúgio para os sentimentos e valores nacionais como fora nos últimos 30 anos de globalização e passará a insuflar o nacionalismo como insuflou em períodos pré-guerras e em guerras.

O esporte também pode dizer que haverá sim resistências das forças de oposições, movimentos sociais e organizações que aproveitarão a sua proeminência na mobilização de grandes massas para frear ou amenizar tais políticas para aqueles que as sofrem. Por exemplo, em tepos de “terrorismos” e com intervenções militares de juntas internacionais em locais onde criam tais ondas, o esporte pode ser sim um palco para demonstrações de terror, xenofobismo e etc. Entretanto, pode representar uma atitude simbólica com grandes benesses sociais como o Time de Refugiados Olímpicos na Rio-2016, incluindo-os no maior evento sociocultural do mundo, os Jogos Olímpicos.

Ah Jogos Olímpicos no Brasil! Num ano tão conturbado economicamente e politicamente para nós, o esporte diria que ele se ofereceu para ser um alento, uma destreza, uma beleza que beirou a divindade para aqueles que sofrem assaltos e conluios de governantes de má índole e que governam para uma parcela mínima da sociedade brasileira, mesmo o evento no Rio ter sofrido excessos de preconceitos e leviandades da mídia nacional e internacional. Um belo exemplo é a crítica ao nosso modo de torcer e ao movimento de não vinda para o Brasil pelo surto de Zika. O esporte pode considerar também como um alento, o bom futebol retomado pela seleção brasileira nas mãos de Tite, contratado por aqueles membros da CBF tão corruptos quanto os de paletó. Aliás, a importância da seleção em nos fornecer alegrias em períodos conturbados é sempre de bom grado.

O esporte pôde nos dizer que é simples reunir um conglomerado de pessoas e nações em torno de uma causa ou solenidade como a tragédia da Chapecoense e também abalar e exilar, por motivos políticos, movimentos libertários revolucionários como o Bom Senso Futebol Clube.

Portanto, o danado do esporte serviu em 2016 tanto para fortalecer poderes e governos já estabelecidos quanto dar suporte para novas ordens de governanças. Serviu tanto para sublimar nossos sentimentos ruins e nos fornecer alegrias como também nos fez perceber o nível de ódio impregnado nas sociedades. Ele é democrático por natureza e quem escolhe qual caminho ele trilhará são quem o pratica, o negocia e o utiliza como ferramenta de intervenção, seja para o bem seja para o mal. E para os próximos anos, evidenciará, dentro de campos esportivos, ações conservadoras e ações liberais da mesma forma como a terceira Lei de Newton.  

22/12/2016

O sentimento é verde

É notória a proeminência do esporte em nos fornecer heróis e heroínas, ídolos e inevitavelmente mitos (entendidos aqui como aquilo que opõe-se à tudo o que é verdadeiro, no sentido de ficção ou ilusão). Essa tamanha produção de pessoas consideradas exemplares se deve ao fato das exaltações de identidades coletivas, sobretudo as nacionais, que o esporte promove, assim como, pelo fato de nos sentirmos representados pelos atletas, pelos times, pelas nações que disputam as competições esportivas. Além disso, o fato da espetacularização e do aporte dos meios de comunicação também deve ser inserido nesse bojo de razões. 

Produções de heróis e ídolos nos foram evidenciadas no final deste novembro tão contraditório em suas emoções. A primeira delas e particularmente proporcionada para uma torcida e um time que há muito tempo emanava sofrimentos: o nono título nacional do Palmeiras; e a segunda delas e terrivelmente triste no âmbito nacional e também no âmbito global: a tragédia da Chapecoense.

Quis a misticidade do futebol que essas duas equipes jogassem uma com a outra antes destes momentos. Um domingo felicíssimo, de alívio, de esperança e de alento ao ver, depois de vinte dois anos, o Palmeiras conquistar o título brasileiro. Quis a misticidade do futebol que a produção desses heróis palmeirenses fosse legitimada e que a produção dos heróis da Chapecoense fosse engatilhada.

Uma segunda de ressaca, uma segunda diferente. Sentimento de êxtase e glorificação e antes de desligar a TV e ir dormir, após assistir tantos programas esportivos, pensei no que poderia estar por vir aquela semana e aumentar minha felicidade. Me veio à mente a final da Sul-americana e a vontade de torcer pra Chape “verdificando” mais ainda aquela semana.

    

É difícil mensurar ou acreditar em medidas de segurança quando estamos em uma grande altitude e numa altíssima velocidade. Quando tal tragédia acontece, a primeira coisa a se pensar é se houve sobreviventes, porém logo se dá conta do famoso dito popular onde os dispositivos mais seguros feitos pela humanidade ao falharem a chance de sobrevivência é quase zero. Quase eu digo porque teve sobreviventes e o nome disso é, indubitavelmente e sem credo algum, Milagre.

Me remete também a pergunta feita para nós de Palahniuk no livro “Clube da Luta” na qual fiquei me fazendo todo o dia naquela terça feira: se Deus nos odeia? Se ele nos tirou tantas vidas de maneira repentina e nos amassou na tristeza milhares de pessoas porque ele nos odeia? Talvez não. Talvez sim. Quem sabe? Talvez tenha sido o espírito do índio de Conda, tão lembrado por Deva Pascovicci no último jogo da Chapecoense na Sul-americana após a defesa do Danilo (https://www.youtube.com/watch?v=3jhrBFuj-vg). Talvez tenha sido sei lá quem, só sei que foi injusto.

E o que fiz para me confortar naquele dia tão tenebroso foi jogar o esporte que aqueles heróis (inclui-se os jornalistas) amavam e tinham como sustento. Na terça joguei como jogador de linha, bem ruim por sinal, porém com uma vontade jamais vista. Na quarta, um dia depois, foi a vez de eu vestir luvas e jogar como goleiro. Antes do jogo, uma reza, sem ninguém ver e uma homenagem para os heróis de Conda. De fato, amamos aquilo que nos mata e matamos aquilo que nós amamos.   

Novembro terminou verde. Verde de alegria, de tristeza e acima de tudo, de esperança. Infelizmente, foi a primeira vez que eu vi a cor verde substituir o preto do luto. E não havia razão de ser diferente pelo fato de se ver tantas pessoas nos meios de comunicação, que antes possuíam caras fechadas, opiniões fortes e cheios de “virilidades”, se transformarem em meros mortais portadores de sentimentos.

A diferença desse acidente aéreo para os outros, não desprezando qualquer tipo de vida, era que o avião carregava uma cidade, um Estado regional e talvez uma nação inteira. Ah os heróis. Seria muito fácil se eles fossem como os heróis nos quadrinhos.  

Chorei a semana toda e que nos escutam e digam para todo o continente, que sempre recordaremos da campeã Chapecoense.