É notória a proeminência do
esporte em nos fornecer heróis e heroínas, ídolos e inevitavelmente mitos
(entendidos aqui como aquilo que opõe-se à tudo o que é verdadeiro, no sentido
de ficção ou ilusão). Essa tamanha produção de pessoas consideradas exemplares
se deve ao fato das exaltações de identidades coletivas, sobretudo as
nacionais, que o esporte promove, assim como, pelo fato de nos sentirmos
representados pelos atletas, pelos times, pelas nações que disputam as
competições esportivas. Além disso, o fato da espetacularização e do aporte dos
meios de comunicação também deve ser inserido nesse bojo de razões.
Produções de heróis e ídolos nos
foram evidenciadas no final deste novembro tão contraditório em suas emoções. A
primeira delas e particularmente proporcionada para uma torcida e um time que
há muito tempo emanava sofrimentos: o nono título nacional do Palmeiras; e a
segunda delas e terrivelmente triste no âmbito nacional e também no âmbito
global: a tragédia da Chapecoense.
Quis a misticidade do futebol que
essas duas equipes jogassem uma com a outra antes destes momentos. Um domingo
felicíssimo, de alívio, de esperança e de alento ao ver, depois de vinte dois
anos, o Palmeiras conquistar o título brasileiro. Quis a misticidade do futebol
que a produção desses heróis palmeirenses fosse legitimada e que a produção dos
heróis da Chapecoense fosse engatilhada.
Uma segunda de ressaca, uma
segunda diferente. Sentimento de êxtase e glorificação e antes de desligar a TV
e ir dormir, após assistir tantos programas esportivos, pensei no que poderia
estar por vir aquela semana e aumentar minha felicidade. Me veio à mente a
final da Sul-americana e a vontade de torcer pra Chape “verdificando” mais
ainda aquela semana.
É difícil mensurar ou acreditar
em medidas de segurança quando estamos em uma grande altitude e numa altíssima
velocidade. Quando tal tragédia acontece, a primeira coisa a se pensar é se
houve sobreviventes, porém logo se dá conta do famoso dito popular onde os
dispositivos mais seguros feitos pela humanidade ao falharem a chance de
sobrevivência é quase zero. Quase eu digo porque teve sobreviventes e o nome
disso é, indubitavelmente e sem credo algum, Milagre.
Me remete também a pergunta feita
para nós de Palahniuk no livro “Clube da Luta” na qual fiquei me fazendo todo o
dia naquela terça feira: se Deus nos odeia? Se ele nos tirou tantas vidas de
maneira repentina e nos amassou na tristeza milhares de pessoas porque ele nos
odeia? Talvez não. Talvez sim. Quem sabe? Talvez tenha sido o espírito do índio
de Conda, tão lembrado por Deva Pascovicci no último jogo da Chapecoense na
Sul-americana após a defesa do Danilo (https://www.youtube.com/watch?v=3jhrBFuj-vg).
Talvez tenha sido sei lá quem, só sei que foi injusto.
E o que fiz para me confortar
naquele dia tão tenebroso foi jogar o esporte que aqueles heróis (inclui-se os
jornalistas) amavam e tinham como sustento. Na terça joguei como jogador de
linha, bem ruim por sinal, porém com uma vontade jamais vista. Na quarta, um
dia depois, foi a vez de eu vestir luvas e jogar como goleiro. Antes do jogo,
uma reza, sem ninguém ver e uma homenagem para os heróis de Conda. De fato,
amamos aquilo que nos mata e matamos aquilo que nós amamos.
Novembro terminou verde. Verde de
alegria, de tristeza e acima de tudo, de esperança. Infelizmente, foi a
primeira vez que eu vi a cor verde substituir o preto do luto. E não havia
razão de ser diferente pelo fato de se ver tantas pessoas nos meios de
comunicação, que antes possuíam caras fechadas, opiniões fortes e cheios de “virilidades”,
se transformarem em meros mortais portadores de sentimentos.
A diferença desse acidente aéreo
para os outros, não desprezando qualquer tipo de vida, era que o avião carregava
uma cidade, um Estado regional e talvez uma nação inteira. Ah os heróis. Seria
muito fácil se eles fossem como os heróis nos quadrinhos.
Chorei a semana toda e que nos escutam
e digam para todo o continente, que sempre recordaremos da campeã Chapecoense.
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