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22/12/2016

O sentimento é verde

É notória a proeminência do esporte em nos fornecer heróis e heroínas, ídolos e inevitavelmente mitos (entendidos aqui como aquilo que opõe-se à tudo o que é verdadeiro, no sentido de ficção ou ilusão). Essa tamanha produção de pessoas consideradas exemplares se deve ao fato das exaltações de identidades coletivas, sobretudo as nacionais, que o esporte promove, assim como, pelo fato de nos sentirmos representados pelos atletas, pelos times, pelas nações que disputam as competições esportivas. Além disso, o fato da espetacularização e do aporte dos meios de comunicação também deve ser inserido nesse bojo de razões. 

Produções de heróis e ídolos nos foram evidenciadas no final deste novembro tão contraditório em suas emoções. A primeira delas e particularmente proporcionada para uma torcida e um time que há muito tempo emanava sofrimentos: o nono título nacional do Palmeiras; e a segunda delas e terrivelmente triste no âmbito nacional e também no âmbito global: a tragédia da Chapecoense.

Quis a misticidade do futebol que essas duas equipes jogassem uma com a outra antes destes momentos. Um domingo felicíssimo, de alívio, de esperança e de alento ao ver, depois de vinte dois anos, o Palmeiras conquistar o título brasileiro. Quis a misticidade do futebol que a produção desses heróis palmeirenses fosse legitimada e que a produção dos heróis da Chapecoense fosse engatilhada.

Uma segunda de ressaca, uma segunda diferente. Sentimento de êxtase e glorificação e antes de desligar a TV e ir dormir, após assistir tantos programas esportivos, pensei no que poderia estar por vir aquela semana e aumentar minha felicidade. Me veio à mente a final da Sul-americana e a vontade de torcer pra Chape “verdificando” mais ainda aquela semana.

    

É difícil mensurar ou acreditar em medidas de segurança quando estamos em uma grande altitude e numa altíssima velocidade. Quando tal tragédia acontece, a primeira coisa a se pensar é se houve sobreviventes, porém logo se dá conta do famoso dito popular onde os dispositivos mais seguros feitos pela humanidade ao falharem a chance de sobrevivência é quase zero. Quase eu digo porque teve sobreviventes e o nome disso é, indubitavelmente e sem credo algum, Milagre.

Me remete também a pergunta feita para nós de Palahniuk no livro “Clube da Luta” na qual fiquei me fazendo todo o dia naquela terça feira: se Deus nos odeia? Se ele nos tirou tantas vidas de maneira repentina e nos amassou na tristeza milhares de pessoas porque ele nos odeia? Talvez não. Talvez sim. Quem sabe? Talvez tenha sido o espírito do índio de Conda, tão lembrado por Deva Pascovicci no último jogo da Chapecoense na Sul-americana após a defesa do Danilo (https://www.youtube.com/watch?v=3jhrBFuj-vg). Talvez tenha sido sei lá quem, só sei que foi injusto.

E o que fiz para me confortar naquele dia tão tenebroso foi jogar o esporte que aqueles heróis (inclui-se os jornalistas) amavam e tinham como sustento. Na terça joguei como jogador de linha, bem ruim por sinal, porém com uma vontade jamais vista. Na quarta, um dia depois, foi a vez de eu vestir luvas e jogar como goleiro. Antes do jogo, uma reza, sem ninguém ver e uma homenagem para os heróis de Conda. De fato, amamos aquilo que nos mata e matamos aquilo que nós amamos.   

Novembro terminou verde. Verde de alegria, de tristeza e acima de tudo, de esperança. Infelizmente, foi a primeira vez que eu vi a cor verde substituir o preto do luto. E não havia razão de ser diferente pelo fato de se ver tantas pessoas nos meios de comunicação, que antes possuíam caras fechadas, opiniões fortes e cheios de “virilidades”, se transformarem em meros mortais portadores de sentimentos.

A diferença desse acidente aéreo para os outros, não desprezando qualquer tipo de vida, era que o avião carregava uma cidade, um Estado regional e talvez uma nação inteira. Ah os heróis. Seria muito fácil se eles fossem como os heróis nos quadrinhos.  

Chorei a semana toda e que nos escutam e digam para todo o continente, que sempre recordaremos da campeã Chapecoense. 

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